Quando o Entrudo se prezava, as máscaras constituíam atributos essenciais desta época de representação da morte que, na Quaresma, mantinha rituais de trevas e mortificações até Sexta-Feira da Ressureição - da vida e da Natureza.
No Entrudo, durante os três dias gordos, tudo era permitido, excepto - mandavam as leis da tradição - retirar a máscara a quem a usasse. As máscaras são objectos universais. Temos conhecimentos delas desde as culturas pré-históricas, com funções religiosas, mágicas e sociais. Na idade média ainda as utilizavam para festejar colheitas abundantes, oferecendo aos deuses cerimónias em louvor da Mãe-Natureza. Depois, foram-se dessacralizando e a partir do séc. XVIII conquistaram as ruas (e os salões).
O significado e o poder mágico das máscaras, como objectos sagrados, são fenómenos integrados em contextos históricos que explicam o seu aparecimento e o carácter essencialmente espiritual que detiveram durante milénios. E, quando o seu papel mágico entrou em declínio, transformaram-se em instrumentos de disfarce ligados apenas ao divertimento.
Na Europa encontramos tradições de máscaras e mascarados em todos os países e com diversas designações. Na Península Ibérica, surgem-nos como objectos rituais (ligadas a magias e superstições),como objectos usados nas representações dramáticas (designadamente no teatro) e ainda nas manifestações profanas de bailes e folguedos carnavalescos. As máscaras portuguesas nada têm a ver com influências da nossa presença em Africa ou no Extremo Oriente por serem, em muitos séculos, anteriores à expansão colonial. Em alguns lugares sobreviveram, até aos nossos dias, como elementos essenciais da festa. É o caso da região transmontana, onde surgem na Festa dos Rapazes (simulando figuras grotescas e, muitas vezes, animais), na Festa de Santo Estevão, no Natal, Ano Novo e Reis.
Começavam a despontar em Janeiro e mantinham-se até à Quarta-Feira de Cinzas, sobretudo como figurões da Morte e do Diabo. E até usavam nas festas dos Santos Populares (pelo S. João, na famosa e fantástica bugiada de Sobrado, em Valongo, os búgios aparecem mascarados sob os mais exuberantes disfarces) Num documento de 1788, há notícias de festas realizadas em Junho, na vila de Serpa, dedicadas a Santo António e S. João, mencionando farsas com mascarados e touradas em que os toureiros se mascaravam.
Apesar da erosão do tempo, as tradições das máscaras mais profundas e significativas, no Nordeste Transmontano, continuam a gozar de certa vitalidade. Designam-nas, conforme os locais, CHOCALHEIROS, MARCARÕES, CARETOS, DIABOS, a MORTE. Vão perdendo, no entanto, o carácter mágico e acessórios dos rituais propiciatórios ( da passagem à idade adulta, por exemplo), profilácticos ( de doenças ), ou apotropaicos ( de protecção contra a seca ou as pragas).
Nos centros urbanos, as máscaras afastaram-se das suas antigas funções, tornando-se objectos de diversão carnavalesca, sobretudo de crianças. A própria confecção- outrora pessoal e rodeada de atenções - foi substituida pela produção comercial, segundo modelos esteriotipados e importados.
Das raras tradições de máscaras artesanais fabricadas no local em que a invenção faz parte do próprio uso, é a dos CARDADORES DO VALE DE ÍLHAVO. Ali são construidas pelos homens, num sistema fechado e até há anos envolto em secretismo para que ninguém soubesse quem eram os mascarados.
Obtidas a partir do aproveitamento de variados materiais (como restos de tecidos e fibras),exprimem a natureza fantástica e aterrorizante da sua utilização. Sob o disfarce, todas as liberdades são possíveis pantominas, acrobacias e dambulações com ataques do nariz (comprido) em riste e simulações de cardar or corpos femininos. Mas, segundo códigos aceites, os contactos não podem ser ofensivos ou agressivos. Esta tradição do vale de Ílhavo é complexa. Nela emergem práticas de antigos ritos ocultos sob a aparência de bricadeiras entrudescas. E a sua vitalidade era tanto mais relevante quanto sobrevivia numa zona urbana e industrial.
Enfim, no Carnaval do nosso entristecimento, as próprias máscaras estão em crise. Agora a máscara normal é a própria cara. Se calhar porque vamos perdendo certo sentido mágico da vida e não sentimos a necessidade dos folguedos para matar o Mal e a Morte. Se calhar porque já não acreditamos no triunfo do Bem e na Ressureição da Vida. Mas sempre lhes direi que, segundo o rifoneiro: A CARA DE AÇO NUNCA É BOA e A CARA ALEGRE GANHA VONTADES.Por tal motivo, vivam as máscaras e os mascarados do Entrudo, herdeiros da alegria e do contentamento pela Primavera que aí vem. E esquecam-se as máscaras do desgosto ou da conveniência. Para essas já nos bastam as que vemos no nosso dia a dia.
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